Imagine a seguinte situação hipotética, para fins de análise do entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no AgInt no REsp 1.982.986-MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 20/06/2022, DJe 22/06/2022.
João Rafael emprestou R$10.000,00 (dez mil reais) a Tiago.
Tiago, todavia, ameaçou dilapidar seu patrimônio para não pagar a dívida.
João, então, entrou com ação judicial com pedido de tutela cautelar em caráter antecedente (arresto), com receio de que Tiago viesse a dilapidar seu patrimônio e tornar-se insolvente.
O juiz concedeu a tutela cautelar requerida, determinando o arresto de bens de Tiago.
Assim, João teria o prazo de 30 dias para formular o pedido principal, a contar da efetivação da tutela, conforme dispõe o art. 308 do CPC. Vejamos:
Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.
A pergunta que se faz é a seguinte: Qual a natureza jurídica desse prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal? A contagem é feita em dias úteis ou dias corridos?
Antes de mais nada, importante expor alguns breves esclarecimentos.
A tutela provisória é uma tutela diferenciada, onde há uma cognição sumária do juízo, tendo por finalidade estabelecer uma maior efetividade do processo, tendo em vista a natural morosidade da justiça.
A tutela provisória cautelar não satisfaz, no todo ou em parte, a pretensão do autor. O juiz não concede, já, o que só seria deferido ao final, mas determina providências de resguardo, proteção e preservação dos direitos em litígio.
A tutela cautelar poderá ser requerida em caráter antecedente ou incidental. Em relação à tutela incidental, não haverá nenhuma dificuldade: como o processo principal já foi ajuizado, a medida será requerida no seu bojo quando se apresentar uma situação de urgência. A tutela antecedente é aquela formulada antes que o pedido principal tenha sido apresentado ou, ao menos, antes que ele tenha sido apresentado com a argumentação completa.
Consigna-se, por oportuno, que a petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 305, caput, do CPC/15).
Lado outro, o arresto, que é uma das espécies de tutela cautelar, consiste na providência destinada a preservar bens do devedor, como garantia de uma futura penhora ou expropriação de bens, quando ele amaça dilapidar o seu patrimônio e tornar-se insolvente.
Expostas tais premissas, renova-se a pergunta: qual a natureza jurídica do prazo de 30 dias para formulação do pedido principal, a contar a efetivação da tutela cautelar?
Ainda na vigência do CPC/1973, à luz dos art’s. 806 e 808, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar” (Súmula n. 482).
À época, havia orientação jurisprudencial do referido Tribunal pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal, daí porque a não observância resultava na extinção do processo cautelar.
Por sua vez, na vigência do CPC/2015, mantém-se a orientação pela natureza decadencial (material) do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único).
De fato, quanto aos prazos processuais, a Lei n. 13.105/2015 – CPC/2015 estabelece, que, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis (art. 209); e que, “decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa” (art. 223).
Por fim, no que se refere ao processo cautelar, o CPC/2015 dispõe, ainda, que, efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, sob pena de cessar a eficácia da cautelar, hipótese em que será vedado a renovação do pedido, salvo sob novo fundamento (arts. 308 e 309).
Com base nos fundamentos expostos, a primeira turma do STJ, por unanimidade, entendeu que é decadencial (material) o prazo de 30 dias para o ajuizamento de ação principal oriunda de pedido formulado na tutela cautelar antecedente, ou seja, o prazo deve ser contado em dias corridos.
Por: Marco Antônio Ávila Filho
Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG