(Análise do REsp 1.742.251-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022 – Informativo n. 746/STJ)
A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente um processo em que uma das questões era se as entidades beneficentes prestadoras de serviços à pessoa idosa teriam direito ao benefício da gratuidade de justiça, independentemente da comprovação da insuficiência econômica. Vejamos algumas observações relevantes.
As pessoas jurídicas, inclusive as instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos, via de regra, tem o dever de comprovar sua hipossuficiência financeira para que possam usufruir dos benefícios da gratuidade de justiça, conforme prevê o art. 98, do CPC/15.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. SÚMULA 481/STJ. MODIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBLIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Nos termos da Súmula 481 do STJ, “faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.
II. Consoante a jurisprudência do STJ, a “Corte Especial, na sessão de 02.08.2010, passou a adotar a tese já consagrada STF, segundo a qual é ônus da pessoa jurídica comprovar os requisitos para a obtenção do benefício da assistência judiciária gratuita, mostrando-se irrelevante a finalidade lucrativa ou não da entidade requerente (STJ, AgRg no AREsp 126.381/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 08/05/2012).
III. O Tribunal a quo, soberano na análise do material cognitivo produzido nos autos, concluiu pela inexistência de prova da impossibilidade de a agravante, entidade beneficente de assistência social, arcar com as despesas processuais. Nesse contexto, a inversão do julgado exigiria, inequivocamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, inviável, na via eleita, a teor do mencionado enunciado sumular 7/STJ. Precedentes.
IV. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 647.312/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/9/2015, DJe de 28/9/2015.)
Enquanto ser presumível como verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural (CPC, art. 99, § 3º), a pessoa jurídica deve comprovar tal insuficiência.
Com base no exposto, caso determinada associação filantrópica ou sem fins lucrativos que preste atendimento médico hospitalar, através do Sistema Único de Saúde, à população idosa teria de comprovar a insuficiência econômica para fins de ser beneficiária da justiça gratuita? Vejamos.
Em que pese a regra geral da necessidade de comprovação da hipossuficiência financeira pelas pessoas jurídicas para fins de ter direito aos benefícios da gratuidade de justiça, na situação acima narrada há uma peculiaridade, qual seja, a prestação de serviços à pessoa idosa.
Tem-se, de um lado, o art. 99, § 3º, do CPC/2015, que exige das instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos a demonstração de sua hipossuficiência financeira para que sejam beneficiárias da justiça gratuita.
De outro, a Lei n. 10.741/2003, que elenca situação específica de gratuidade da justiça para as entidades beneficentes ou sem fins lucrativos que prestem serviço à pessoa idosa, revelando especial cuidado do legislador com a garantia da higidez financeira das referidas instituições.
Com efeito, dispõe o art. 51 do Estatuto do Idoso que “as instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos prestadoras de serviço às pessoas idosas terão direito à assistência judiciária gratuita”.
Ao aplicar o princípio da especialidade à problemática, observa-se que a norma inserta no referido estatuto é exceção à regra geral do CPC/2015. E assim é por que o legislador concedeu à entidade beneficente prestadora de serviços à pessoa idosa, em razão do seu caráter filantrópico ou sem fim lucrativo e da natureza do público por ela atendido, o direito ao benefício em tela, independentemente da comprovação da insuficiência econômica.
Diante dos fundamentos ventilados, decidiu a primeira turma no sentido de que às entidades beneficentes prestadoras de serviços à pessoa idosa, em razão do seu caráter filantrópico ou sem fim lucrativo e da natureza do público atendido, é assegurado o direito ao benefício da assistência judiciária gratuita, independentemente da comprovação da insuficiência econômica.
Por: Marco Antônio Ávila Filho.
Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.