Imagine o seguinte caso hipotético.
João ingressou com processo previdenciário contra o Instituto Nacional do Seguro Social, tendo como pretensão a concessão do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Realizada perícia médica, constatou-se que o segurado não apresentava incapacidade laborativa.
Consigna-se, por oportuno, que para a concessão dos benefícios em questão, exige-se do segurado que comprove alguns requisitos, quais sejam: a) incapacidade laborativa; b) carência; e c) qualidade de segurado.
Após o regular transcurso do processo, os pedidos iniciais foram julgados improcedentes, sob o fundamento da inexistência da incapacidade para o trabalho.
O procurador da parte autora registrou ciência do ato no dia 25/04/2022 (segunda-feira), de modo que o prazo final para a interposição do recurso de apelação se daria em 16/05/2022 (segunda-feira).
Ocorre que o sistema eletrônico do Tribunal de origem apontou a data de 18/05/2022 (quarta-feira) como limite para manifestação, ou seja, para interpor o respectivo recurso. Logo, houve um erro no próprio sistema eletrônico do Tribunal.
O procurador da parte autora, confiando no prazo limite fixado pelo sistema eletrônico do Tribunal, interpôs apelação no último dia estabelecido pelo sistema, ou seja, em 18/05/2022.
Nas contrarrazões, o procurador federal (INSS) alegou que o recurso da parte autora era intempestivo, pois o prazo fim para a interposição da apelação seria no dia 16/05/2022.
No caso narrado, é possível considerar que o recurso foi tempestivo? Qual o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em casos análogos?
Havendo um erro do sistema eletrônico do Tribunal na indicação do término do prazo recursal e, em razão disso, a parte interpôs o recurso intempestivamente, essa
circunstância pode ser utilizada como justa causa para a prorrogação do prazo, aplicando-se a regra prevista no art. 223 do CPC:
Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.
§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.
Embora seja ônus do advogado a prática dos atos processuais segundo as formas e prazos previstos em lei, o Código de Processo Civil abre a possibilidade de a parte indicar motivo justo para o seu eventual descumprimento, a fim de mitigar a exigência. Inteligência do caput e § 1º do art. 183 do Código de Processo Civil de 1973, reproduzido no art. 223, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015.
Considerando o avanço das ferramentas tecnológicas e a larga utilização da internet para divulgação de dados processuais, eventuais falhas do próprio Poder Judiciário na prestação dessas informações não podem prejudicar as partes.
Dessa forma, a falha induzida por informação equivocada prestada por sistema eletrônico de tribunal deve ser levada em consideração, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança, para a aferição da tempestividade do recurso.
Ainda que os dados disponibilizados pela internet sejam “meramente informativos” e não substituam a publicação oficial (fundamento dos precedentes em contrário), isso não impede que se reconheça ter havido justa causa no descumprimento do prazo recursal pelo litigante, induzido por erro cometido pelo próprio Tribunal.
Esse foi o raciocínio utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante ao narrado. A Corte Cidadã definiu que: “O erro do sistema eletrônico do Tribunal de origem na indicação do término do prazo recursal é apto a configurar justa causa para afastar a intempestividade do recurso” (STJ. Corte Especial. EAREsp 1.759.860-PI, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/03/2022 (Info 730)).
Logo, a falha induzida por informação equivocada prestada por sistema eletrônico de tribunal deve ser levada em consideração, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança, para a aferição da tempestividade do recurso.
Por: Marco Antônio Ávila Filho.
Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.