É constitucional a alteração legislativa que exclui o menor sob guarda do rol de dependentes para fins previdenciários ?

Comentários sobre a ADI 4878/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 07/06/2021.

A Procuradoria-Geral da República ajuizou a ADI 4878, tendo por finalidade que as crianças e adolescentes sob guarda fossem incluídos entre os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social.

A PGR pleiteava que fosse dada interpretação conforme a Constituição ao parágrafo segundo do art. 16 da Lei de benefícios, ou seja, a L8.213/91. Nos termos da ADI ajuizada, o dispositivo, na redação dada pela Lei 9.528/97, dispõe sobre beneficiários do RGPS, na condição de dependentes e estabelece que o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho, mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica. Todavia, a redação natural/original estabelecia não apenas o enteado e o menor tutelado como dependentes, mas, também, o menor, que, por determinação judicial, estivesse sob guarda do segurado.

E o que o Supremo Tribunal Federal entendeu acerca do pedido da PGR?

Pois bem, importante, antes de mais nada, relembrar o que a Lei 8.213/91 dispõe acerca dos dependentes do segurado, na forma do art. 16. Vejamos:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;                     (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;                  (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;               (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)          (Vigência)

II – os pais;

III – o irmão, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;                    (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;                   (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

III – o irmão de qualquer condição menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, nos termos do regulamento;                (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015)       (Vigência)

III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;     (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  (Vigência)

IV – a pessoa designada, menor de 21 (vinte e um) anos ou maior de 60(sessenta) anos ou inválida.                   (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.

§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.                    (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)    (Vide ADIN 4878)      (Vide ADIN 5083)

[…]

Opor oportuno, conforme observado pelo dispositivo acima e pela leitura integral da Lei de benefícios, nota-se que esta é frequentemente modificada, sendo relevante o estudo constante acerca de suas atualizações.

A lei previdenciária divide os dependentes em três classes, sendo:

  • 1ª Classe: Cônjuge, companheiro (hétero ou homoafetivo), filho menor de 21 anos (desde que tenha sido emancipado), filho inválido (ainda que tenha mais de 21 anos) e filho com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade);
  • 2ª Classe: Pais do segurado;
  • 3ª Classe: Irmão menor de 21 anos (desde que não tenha sido emancipado), irmão inválido (independente da idade), irmão com deficiência (não importa a idade) e irmão com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade).

Para receber benefícios previdenciários, os dependentes de 1ª classe não precisam comprovar a dependência econômica, uma vez que esta é presumida, conforme art. 16, § 4º da Lei 8.213/91.

O mesmo art. 16, § 4º, entretanto, aponta que os dependentes de 2ª e 3ª classe precisam comprovar a dependência econômica para que possam usufruir dos benefícios previdenciários.

Por outro lado, a guarda é uma das maneiras de se colocar o menor em família substituta, sendo concedida quando os pais não conseguirem exercer, com plenitude, seus deveres inerentes ao poder familiar.

A pessoa que recebe a guarda, ou seja, o guardião, tem o dever de prestar assistência educacional, material e moral à criança ou adolescente, conforme prevê o art. 33 da Lei 8.069/90.

Consigna-se, ademais, que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, da Lei 8.069/90).

O problema, então, era o seguinte. De um lado, havia o ECA apontando que a guarda conferia à criança ou adolescente a condição de dependente, inclusive para fins previdenciários. De outro lado, havia a Lei 9.528/97, que alterou a redação original da Lei 8.213/91, de modo que houve a exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes.

Afinal de contas, o que o STF entendeu ao julgar a ADI?

O Supremo Tribunal Federal entendeu que os menores sob guarda devem ser considerados dependentes, desde que comprovada a dependência econômica. A doutrina da proteção integral, consagrada no art. 227 da Constituição Federal e nos tratados internacionais vigentes sobre o tema, dos quais sobressai a Convenção dos Direitos das Crianças (Decreto 99.710/90), estabelece o estatuto protetivo de crianças e adolescentes, conferindo-lhes status de sujeitos de direito.

  Os direitos e garantias das crianças e dos adolescentes devem ser universalmente reconhecidos, diante de sua especial condição de pessoas em desenvolvimento. Nos termos do texto constitucional, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais é deve que se impõe não apenas à família e à sociedade, mas também ao Estado.

Ademais, o art. 33, § 3º, do ECA, ao tratar do “menor sob guarda”, confere a ele condição de dependente, para todos os efeitos jurídicos, abrangendo, também, a esfera previdenciária. Nesse sentido, a interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõem a CF e o ECA, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. A redação dada o art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, pela Lei 9.528/97 priva crianças e adolescentes de seus direitos e garantias fundamentais.

Assim, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (Art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91), assegura-se a prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VII, da CF/88.

Logo, na visão do STF, é inconstitucional a alteração legislativa que exclui o menor sob guarda do rol de dependentes para fins previdenciários.

Por: Marco Antônio Ávila Filho.

Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.

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