Direitos Humanos é um conjunto de direitos que materializam a dignidade humana, ou seja, são os direitos básicos e que também pode ser aplicado à expressão ‘direitos fundamentais’, que igualmente são imprescindíveis para a materialização da dignidade da pessoa humana. A expressão ‘direitos fundamentais’ é utilizada para referir-se aos direitos positivados na ordem jurídica interna do Estado, enquanto a expressão ‘direitos humanos’ costuma ser adotada para identificar os direitos positivados na ordem internacional. Temos também, no ordenamento jurídico brasileiro, os ‘direitos da personalidade’ que se encontram no âmbito das relações privadas, previstos pelo Código Civil.
Vista a distinção feita acima entre as expressões, é possível questionar se existem ‘direitos humanos’ que não sejam ‘direitos fundamentais’ e vice-versa? Sim, pois existe a possibilidade de haver um direito reconhecido num Tratado Internacional que não esteja previsto na ordem jurídica interna do Estado, ou o inverso. É o caso do direito do preso ser submetido à presença física do juiz após o ato de prisão, direito previsto nas convenções internacionais, mas não previsto na Constituição Federal de 1988, que consagra o direito do preso de ter a prisão comunicada, mas não lhe assegurando o direito de ser conduzido à presença física do juiz, o que gerou, aqui no Brasil, o surgimento da audiência de custódia.
Este instrumento é previsto internacionalmente pelo Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos). É importante destacar então, que a existência de um direito humano que não seja direito fundamental, ou o inverso, é uma situação pontual, pois, em linhas gerais, a quase totalidade dos direitos reconhecidos em tratados internacionais também encontram positivação nas constituições e leis nacionais. Por exemplo: a liberdade de expressão está disposta na Constituição brasileira, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sendo, portanto, um direito humano e um direito fundamental.
Por que os direitos humanos são tão importantes? Os direitos humanos constituem ponto central nos Estados Constitucionais, sendo inerentes à ideia de Estado Democrático de Direito. Um Estado no qual as pessoas não tenham liberdades básicas reconhecidas é um Estado arbitrário.
Quais os fundamentos dos direitos humanos? Alinham-se em três perspectivas: fundamentação religiosa, positivista e jus naturalista. Sob uma fundamentação religiosa, o respeito aos direitos humanos decorre de um mandamento divino e nesse ponto vale recordar que, até a Idade Moderna, a justificativa ética que servia de fundamento ao próprio Direito repousava na divindade. Sob uma fundamentação positivista, a validade dos direitos humanos decorria de seu reconhecimento enquanto normas de Direito Positivo, isto é, de direito posto, positivado validamente posto pelo Estado, como normas vigentes. Sob uma fundamentação jus naturalista, os direitos humanos extrairiam validade de uma ordem natural própria das coisas, que antecede ao próprio direito positivo. Cabe destacar que os direitos humanos possuem uma fundamentação filosófica próxima ao Direito Natural.
Quais os tipos de Direitos Humanos existentes? Já se perdeu a conta de quantas espécies de direitos humanos já foram classificadas, pois a relação é ampla e qualquer rol é meramente exemplificativo. Didaticamente, pode-se agrupar os diversos direitos da seguinte maneira: 1) Direitos Civis, são os direitos relacionados às liberdades civis básicas do cidadão, como, por exemplo, a liberdade de expressão; 2) Direitos Políticos, são direitos de participação política, de participação na vida do Estado, de votar e ser votado; 3) Direitos Sociais, são os direitos relacionados com a intervenção do Estado no plano social como saúde, trabalho, educação, entre outros; 4) Direitos Culturais, são os direitos relacionados às práticas culturais, como o direito e livre manifestação cultural; 5) Direitos Difusos, são direitos de titularidade difusa, atinentes à humanidade como o direito ao meio ambiente, por exemplo.
São várias as características dos direitos humanos, mas as mais comuns são: historicidade, universalidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, indivisibilidade e interdependência.
A ‘historicidade’ talvez seja a mais marcante característica dos direitos humanos. Ela significa que os direitos humanos são frutos do processo histórico; resultam de uma longa caminhada histórica marcada muitas vezes por lutas, sofrimento e violação da dignidade humana. Essa característica denota ainda que os direitos humanos não surgiram todos ao mesmo tempo, mas sim, gradativamente, em diferentes momentos históricos.
A ‘universalidade’ dos direitos humanos deve ser compreendida em dois sentidos: um no sentido de que esses direitos se destinam a todas as pessoas sem qualquer tipo de discriminação, de qualquer ordem que seja, exatamente como afirmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 ONU; outro no sentido de abrangência territorial universal, é dizer direitos válidos em qualquer lugar do planeta, direitos pertencentes a uma sociedade mundial. Nesse sentido, o respeito aos direitos humanos deixa de ser apenas uma questão interna de cada estado e atinge um patamar de uma temática mundial. A concepção ‘universalista’ dos direitos humanos confronta-se com a tese do ‘relativismo cultural’, sendo preciso analisar até que ponto as vicissitudes culturais de cada país seriam um entrave à afirmação da validade universal dos direitos humanos.
O embate entre o relativismo cultural e universalidade dos direitos humanos passa pela dificuldade de afirmar uma concepção de sociedade que seja universal, com os mesmos padrões culturais, ainda que mínimos, eis que cada sociedade apresenta suas idiossincrasias, e isso há de ser respeitado, observando-se a autodeterminação dos povos. Em decorrência da multiculturalidade existente no mundo, a noção de universalidade dos direitos humanos deve ser construída a partir de uma perspectiva interculturalista, mediante o diálogo entre as diferentes segmentações culturais. Das mais importantes questões nesse debate sobre ‘relativismo cultural’ é definir até que ponto o relativismo pode justificar práticas internas que, sob a ótica internacional, sejam lesivas aos direitos humanos. Em linhas gerais, prevalece a ideia de forte proteção aos direitos humanos e fraco relativismo cultural, no sentido de que as variações culturais não justificam a violação de direitos humanos. Reforça essa ideia o fato de que diversos países que adotam ou adotaram práticas lesivas a direitos humanos aderiram à ONU e às convenções internacionais sobre direitos humanos, se obrigando a rever as medidas internas que sejam compatíveis com as obrigações internacionais. Nessa esteira, práticas culturais internas de um Estado não mais justificam a violação de direitos humanos.
A característica da ‘relatividade’ passa a ideia de que os direitos humanos podem sofrer limitações, podem ser relativizados, não se afirmando como absolutos. Por exemplo: o direito à liberdade de expressão pode ser relativizado para se harmonizar com a proteção da vida privada, não se admitindo que esse direito seja exercido de modo a ofender a imagem de alguém. Outro exemplo: o próprio direito à vida, que é pressuposto para exercer os demais direitos, pode ser relativizado nos casos de legítima defesa ou de pena de morte, essa última apenas em países que admitem tal prática (princípio da soberania do estado).
Quanto a ‘irrenunciabilidade’, pode-se dizer que as pessoas não têm o poder de dispor sobre a proteção à sua dignidade, não possuindo a faculdade de renunciar à proteção inerente à dignidade humana. Exemplo emblemático disso é o famoso caso francês do arremesso de anões, espécie de entretenimento outrora adotado em bares franceses, consistente em arremessar anões em direção a uma pista de colchões. No caso, as pessoas se reuniam nos bares para disputar torneios, ganhando a disputa aquele que conseguisse arremessar o anão mais longe. A prefeitura da cidade francesa proibiu a prática.
O grande detalhe é que a interdição foi questionada por iniciativa de um anão que alegava que a prática representava, para ele, uma forma de trabalho, importante para a sobrevivência. A irrenunciabilidade dos direitos humanos suscita importantes discussões envolvendo o direito à vida, como eutanásia, aborto e recusa em receber transfusão de sangue. O questionamento base é o seguinte: se a vida é irrenunciável, como validar a eutanásia e o aborto? Havendo risco de morte, a manifestação de vontade da pessoa em não aceitar a transfusão de sangue deve ser considerada? A resposta a essas perguntas passa pela compreensão da relatividade dos direitos humanos e da necessidade de harmonizá-los com outros valores; deve ser ponderado que, apesar de irrenunciáveis, os direitos humanos podem ser relativizados num caso concreto.
Quanto à ‘inalienabilidade’ significa que os direitos humanos não são objeto de comércio, e, portanto, não podem ser alienados. Já a ‘imprescritibilidade’ quer dizer que a pretensão de respeito e concretização de direitos humanos não se esgota pelo passar dos anos, podendo ser exigida a qualquer momento. A imprescritibilidade dos direitos humanos não deve ser confundida com a prescritibilidade da reparação econômica decorrente da violação de direitos humanos. Uma coisa é a pretensão de respeito aos direitos humanos, de não violação ao direito; outra é a pretensão de reparação do dano causado pela violação de um direito, essa sim submetida a prazo prescricional de 3 anos, conforme art 206, V do Código Civil.
A ‘unidade’, ‘indivisibilidade’ e ‘interdependência’ dos direitos humanos quer dizer que os direitos humanos devem ser compreendidos como um conjunto, como um bloco único, indivisível e interdependente de direitos. Essa compreensão afasta a ideia de que haveria hierarquia entre os direitos, como se uns fossem superiores aos outros, e propõe que todos os direitos são exigíveis, por serem importantes para a materialização da dignidade da pessoa humana.
Estamos vivendo no mundo uma crise humanitária em todos os sentidos e faz-se mais do que necessário que falemos sobre a concretude dos direitos humanos, ou seja , direitos inerentes à condição humana, para que eles possam ser aplicados de forma urgente.
Por: Cláudia Feres