Como conciliar o Direito ao Esquecimento ao Direito à Informação ? e qual é a linha entre Espaço Digital Privado e Espaço Digital Público ?

O Direito ao Esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto em público em geral, causando-lhe sofrimento e transtorno. O Direito ao Esquecimento, também chamado de direito de ser deixado em paz ou o direito de estar só, possui assento constitucional e legal considerando que é uma consequência do Direito à Privacidade, Intimidade e Honra, que são assegurados pela CF/88 em seu art 5º, X e pelo art 21 do Código Civil (Direitos da Personalidade). Alguns autores também afirmam que o Direito ao Esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana, conforme art 1º, III, da CF/88.

O grande debate é quanto ao Direito ao Esquecimento envolver uma concorrência aparente entre a liberdade de expressão/informação e atributos individuais da pessoa humana, como a intimidade, privacidade e honra.

O Direito ao Esquecimento é um tema de inegável importância e atualidade em razão da internet. Isso porque a rede mundial de computadores praticamente eterniza as notícias e informações. Com poucos cliques é possível ler reportagens sobre fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotos e vídeos. Enfim, é quase impossível ser esquecido com uma ferramenta tão poderosa disponibilizando facilmente um conteúdo praticamente infinito.

A discussão quanto ao Direito ao Esquecimento surgiu, de fato, para o caso de ex-condenados que, após determinado período, desejam que esses antecedentes criminais não mais fossem expostos, o que lhes causava inúmeros prejuízos. No entanto esse debate foi se ampliando e, atualmente, envolve outros aspectos da vida da pessoa que ela almeja que sejam esquecidos. É o caso, por exemplo, da apresentadora Xuxa, que no passado fez um filme do qual se arrepende e que ela não mais deseja que seja exibido ou rememorado por lhe causar prejuízos profissionais e transtornos pessoais. Pode-se imaginar, ainda, que o indivíduo deseje simplesmente ser esquecido, deixando-o em paz. Nesse sentido podemos imaginar o exemplo de uma pessoa que era famosa e que em determinado momento da sua vida, decide voltar a ser um anônimo, e não mais ser incomodado com reportagens, entrevistas ou qualquer outra forma de exposição pública.

Na doutrina brasileira existem autores que criticam a existência de um Direito ao Esquecimento sob os seguintes argumentos: o acolhimento do chamado Direito ao Esquecimento constituiria um atentado à liberdade de expressão e de imprensa; o direito de fazer desaparecer informações que retratam uma pessoa, significa perda da própria história, o que vale dizer que o Direito ao Esquecimento afronta o direito à memória de toda a sociedade (teoria do caos – efeito borboleta); o Direito ao Esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público; é absurdo imaginar que uma informação que é lícita se torne ilícita pelo simples fato de que já passou muito tempo desde a sua ocorrência; quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público. Sem nenhuma dúvida, o principal ponto de conflito quanto à aceitação do Direito ao Esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação. Sem dúvidas pode-se considerar má-fé das pessoas que utilizarem o Direito ao Esquecimento como forma de prática de alguns atos para se beneficiarem.

Como conciliar o Direito ao Esquecimento com o Direito à Informação? Deve-se analisar se existe interesse público atual na divulgação daquela informação. Se ainda persistir, não há que se falar em Direito ao Esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia. Por outro lado se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer o seu Direito ao Esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado.

Exemplo com dois casos de repercussão: 1) Chacina da Candelária – determinado homem foi denunciado por ter, supostamente, participado da chacina. Ao final do processo, ele foi absolvido. Recebeu indenização da Rede Globo que apontou o nome dele como um dos participantes. 2) Caso Aída Curi – abusada sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história desse crime, um dos mais famosos do noticiário policial brasileiro, foi apresentada na Rede Globo, tendo sido feita a divulgação do nome da vítima e de fotos reais, o que segundo seus familiares trouxe a lembrança do crime e do sofrimento que envolve. Em razão da veiculação do programa, os irmãos da vítima moveram ação contra a Rede Globo, com o objetivo de receber indenização por danos morais, materiais e imagem.

O Direito ao Esquecimento passar por outro interessante desafio: como conciliá-lo com o chamado Direito à Memória e à Verdade Histórica? O Direito ao Esquecimento não tem o condão de impedir a concretização do Direito à memória. Isso porque as violações de direitos humanos ocorridos no período da ditadura militar são fatos de extrema relevância histórica e de inegável interesse público. Logo, em uma ponderação de interesses, o direito individual ao esquecimento cede espaço ao direito à memória e à verdade histórica (Realistas X Fantasistas – Sintomas da Falência do Real).

E foi por meio deste estudo que me fez refletir sobre uma matéria que li na Folha de São Paulo, assinada por Ronaldo Lemos, com o tema: A Aplle e o paradoxo da privacidade. A quem pertence a galeria de fotos do seu celular, à Aplle ou a você? Em 2019 a Aplle fez um compromisso com os seus clientes, dizendo que o que acontece no seu iPhone fica no seu iPhone. A proteção da privacidade e dos dados dos usuários tem hoje proteção legal por meio da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD. Pois bem, a Apple voltou atrás com o seu compromisso e anunciou semana passada um projeto que tem por objetivo combater material contendo abuso sexual contra crianças. A empresa criou um sistema que vai monitorar de forma permanente todas as fotos salvas no iPhone e se o sistema detectar fotos suspeitas, notificará automaticamente as autoridades. Sem dúvidas, o combate a conteúdo com abuso infantil é essencial e o objetivo da empresa é irretocável. Só que ao fazer isso, ela destrói por completo a linha do que é espaço digital privado e o que é espaço digital público. Será que a empresa conseguirá servir a dois objetivos simultaneamente, ou seja, o seu direito privado aos seus dados e atender a um direito coletivo de tamanha relevância?

O que esse conteúdo tem a ver com o Direito ao Esquecimento acima estudado? Ambos tratam do direito à privacidade como um direito fundamental só não prevalecendo quando o interesse da coletividade com ele concorrer. ´

É preciso analisar caso a caso para que não incorramos ao erro de violarmos direitos personalíssimos há muito debatidos e ao mesmo tempo não violarmos os direitos fundamentais de toda uma sociedade.

Por: Cláudia Feres.

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