É inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à natureza constitutivo-negativa dos embargos de terceiro.

Comentários ao REsp 1.703.707-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021.

Imagine a situação hipotética a seguir exposta.

Allure Empreendimentos moveu uma execução fundada em título executivo extrajudicial em face de Luís e Vinícius. Camila, então, propôs embargos de terceiro à execução, pois foi impedida de vender seu veículo em razão das restrições judiciais impostas ao seu filho, Luís, e seu marido, Vinícius.

Irresignada, Camila alegou em sede de embargos de terceiro que as restrições lançadas em seu veículo eram completamente indevidas, uma vez que ela não era avalista, devedora ou fiadora, de modo que seu bem não poderia servir como garantia ou penhora para satisfazer o crédito do exequente.

Além do pedido de que houvesse a cessação da restrição judicial indevida, Camila requereu a condenação em danos morais, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais).

O juiz sentenciante, então, julgou os embargos de terceiro parcialmente procedentes, determinando a cessação da constrição judicial sob o bem de Camila, mas julgou o pedido de danos morais improcedente.

Com base na situação fática exposta, é cabível o pedido de danos morais em embargos de terceiro? Qual o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito?

Primeiramente, é importante destacar que acolhido o pedido inicial, o ato de constrição judicial indevida será cancelado, com o reconhecimento do domínio, da manutenção da posse ou da reintegração definitiva do bem ou do direito ao embargante (art. 681, CPC).

O Código de Processo Civil vigente prevê a possibilidade, inclusive, da cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que não haja conexão entre eles. Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum.

Pois bem, a regra no direito brasileiro é de que somente as partes que integrarem o processo é que poderão sofrer os efeitos das decisões judiciais proferidas no respectivo processo, notadamente algum tipo de constrição judicial em seus bens, por meio de penhora e sucessiva expropriação.

Ocorre que, quando o terceiro estranho ao processo tiver seu patrimônio atingido, de maneira injusta, pela prestação jurisdicional correlata, a lei lhe confere instrumento processual próprio para a defesa de seu interesse, com o escopo de liberar o gravame judicial realizado sob seus bens. Esse instrumento é denominado embargos de terceiro.

A peculiaridade dos embargos de terceiro é que, a despeito de se tratar de ação de conhecimento, sua única finalidade é a de libertar da constrição judicial indevida os bens pertencentes a quem não é parte do processo.

O instrumento processual em análise possui cognição limitada, uma vez que sua análise é restrita ao exame de legalidade do ato judicial que culminou na constrição ou ameaça de constrição sobre bens de terceiro, não possuindo, dessa forma, natureza condenatória.

Conforme delineado retro, não se ignora que o CPC/15 permite a cumulação de pedidos em um único processo. O art. 327, § 2º, estabelece que “quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais dos pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum”.

Em que pese o referido dispositivo legal garanta esse benefício, que permite a conversão de procedimento especial para o comum, não é cabível sua aplicação em todo e qualquer caso.

É porque o Superior Tribunal de Justiça, Tribunal da Cidadania, já havia decidido que “a partir de uma análise sistemática do CPC, conclui-se que a regra do art. 292, § 2º [correspondente ao art. 327, § 2º, do CPC/15], não se aplica indiscriminadamente, como procura fazer crer a recorrente, alcançando apenas os pedidos sujeitos a procedimentos que admitam conversão para o rito ordinário” (REsp 993.535/PR, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Dje de 22/4/2010).

Logo, considerado a estrita cognição dos embargos de terceiro, que tem por única finalidade evitar ou afastar a constrição judicial sobre bens de titularidade daquele que não integra a relação processual, revela-se inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à sua natureza constitutivo-negativa, como, por exemplo, o pleito de condenação do réu a indenização por danos morais, sob pena, inclusive, de tumultuar a marcha processual célere dos embargos de terceiro, em flagrante contradição com o próprio escopo do art. 327 do CPC.

Assim, a tese fixada pelo tribunal foi: “É inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à natureza constitutivo-negativa dos embargos de terceiro”.

Por: Marco Antônio Ávila Filho.

Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.

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