A Proteção da Pessoa com Deficiência

Durante muito tempo, a proteção legal da pessoa com deficiência decorreu do fato dela apresentar algum tipo de incapacidade física ou mental, isto é, incapacidade para se locomover sozinha, incapacidade para praticar qualquer ato da vida civil, incapacidade para trabalhar para prover o próprio sustento entre outros. A Constituição Federal de 1969 utilizava a expressão ‘excepcional’ que trazia uma conotação ligada à deficiência mental e não alcançava as deficiências físicas.

A partir de 1978 passou-se a usar o termo ‘deficiente’, que também não se mostrava satisfatório e pejorativo, levando a crer que o indivíduo que possui qualquer tipo de deficiência seria imperfeito, defeituoso. Na sequência adotou-se a expressão ‘pessoa portadora de deficiência’ utilizada na Constituição Federal de 1988 e adotado em várias leis. A expressão tinha o fim de enaltecer o conceito de pessoa, diminuindo o estigma da deficiência.

Atualmente a expressão utilizada passou a ser ‘pessoa com deficiência’ uma vez que a ideia de portar ou conduzir deixou de ser adequada, notadamente em virtude da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Na expressão ‘pessoa com deficiência’, a pessoa continua sendo o núcleo central da expressão, apontando-se, no entanto, que ela tem um deficiência e não a porta. Assim, a pessoa com deficiência é definida não pela falta de um membro ou de algum sentido, mas sim pela dificuldade que tem de se relacionar, de se integrar na sociedade, isto é, de se ver incluída socialmente. A definição de quem é ou não pessoa com deficiência se mede por esse grau de dificuldade para a inclusão social.

Diante da aprovação da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem força de norma constitucional (art. 5º, §3º da CF/88) a nova expressão revogou a antiga. Logo, apesar de o texto constitucional ainda trazer o termo ‘pessoa portadora de deficiência’, ele deve ser lido como ‘pessoa com deficiência. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) dispõe que não é suficiente a existência de um impedimento, mas sim que exista um impedimento aliado a uma dificuldade ou barreira.

A Tutela da Pessoa com Deficiência tem princípios próprios aplicáveis a ela, inclusive os princípios constitucionais que são pilares de sustentação do ordenamento jurídico, constituindo valores condutores dos valores sacramentados na Constituição Federal de maneira a lhes imprimir sentido próprio. O princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento da República, sendo considerada princípio fundamental da ordem jurídica. Sob o prisma da pessoa com deficiência, podemos falar na existência de um tutela da situação da pessoa com deficiência como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana.

O art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência estabelece que o propósito é promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. A proteção da dignidade da pessoa humana implica na proteção de todos os direitos da pessoa com deficiência. O princípio da dignidade da pessoa humana foi também disposto no art. 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que tem como base a Convenção Internacional.

Quanto ao princípio da igualdade é possível afirmar que a efetiva tutela das pessoas com deficiência reside no princípio da igualdade, quer sob o prisma da igualdade formal, isto é, a regra isonômica de tornar todos iguais perante a lei, proibindo-se qualquer forma de discriminação, quer sob o prisma da igualdade material, enquadrando-as em situação de privilégio frente aos demais membros da sociedade, o que se mostra admissível pela dificuldade de inclusão social de referida categoria de pessoas. Desse modo, a igualdade é a via condutora para efetivação do direito à inclusão.

Vale dizer, a pessoa com deficiência possui, ante sua própria condição, direito à quebra da igualdade nas quais concorra ou participe com pessoas sem deficiência. Muitas vezes para a efetivação do princípio da igualdade faz-se necessário desigualar as pessoas para que elas se tornem iguais. O art. 4º do Estatuto da Pessoa com Deficiência dispõe que toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. Considera-se discriminação toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

Com a criação do instituto jurídico ‘Tomada de Decisão Apoiada’ disposto no art. 1783-A, é oportuno destacar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência busca desatrelar a pessoa com deficiência da ideia de pessoa incapaz. Ao contrário, a consideram uma pessoa igual às demais, que possui capacidade para: casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades comas demais pessoas.

Quanto ao princípio da proteção é importante dizer que a pessoa com deficiência exige proteção especial em decorrência da condição de vulnerabilidade na qual se encontra em comparação com o restante da população. A pessoa com deficiência é tida não apenas como pessoa sujeita de direitos comuns a todos os membros da sociedade, mas também de direitos especiais, derivados de sua peculiar condição pessoal. O art. 5º do Estatuto da Pessoa com Deficiência dispõe que a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante. O parágrafo único destaca como especialmente vulneráveis, a criança, o adolescente, a mulher e o idoso que possuem deficiência.

Quanto ao princípio da prioridade destaca-se o advento da Lei da Prioridade e da Acessibilidade que dispõe que as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida passaram a gozar de atendimento prioritário por parte dos órgãos da administração pública, das empresas prestadores de serviços públicos e das instituições financeiras compreendendo-se por atendimento prioritário o tratamento diferenciado e o atendimento imediato. O art. 8º do Estatuto da Pessoa com Deficiência diz que constitui dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com absoluta prioridade, a efetivação dos seguintes direitos: vida, saúde, sexualidade, paternidade, maternidade, alimentação, habitação, educação, profissionalização, trabalho, previdência social, transporte, acessibilidade, cultura, desporto, turismo, lazer, informação, comunicação, avanços científicos e tecnológicos, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária. Vale lembrar que o atendimento prioritário ao idoso vem antes do que ao da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida por expressa disposição legal.

A inclusão da pessoa com deficiência é de suma importância em uma sociedade multifacetada, com espaço para pessoa com deficiência vivendo harmonicamente com o resto da sociedade. Isso começa por uma educação de qualidade que esteja de olhos abertos para a diversidade humana. Tanto em relação a diferenças sociais e econômicas que insistem em gritar, entre as pessoas que  não são pessoas com deficiência, como pelas pessoas que precisam de um auxílio maior da sociedade, sendo incluídas por completo. Precisamos de políticas públicas de inclusão!

Por: Cláudia Feres

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