Faz-se aqui um estudo introdutório referente às espécies de danos reconhecidos no direito brasileiro como elemento da Responsabilidade Civil. Diz-se isso por conta da dinamicidade advinda das áreas jurídicas e o reconhecimento natural dos estragos causados às pessoas por vários motivos; e das várias doutrinas e jurisprudências que não fecham o rol de tipos de danos entendendo que qualquer ação ou omissão que violar direito e causar prejuízo a outrem, comete ato ilícito. E àquele que comete ato ilícito recai a obrigação de indenizar reparando e/ou compensando os danos causados.
Feita essa nota, cabe aqui apresentar, em linhas gerais, os elementos básicos da Responsabilidade Civil, quais sejam: a conduta humana (ação ou omissão), culpa (quando se trata de responsabilidade subjetiva, pois quando a responsabilidade é objetiva não se discute a culpa), o nexo de causalidade e o dano.
A responsabilidade civil, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves, é a expressão obrigacional mais visível da atividade humana, sendo assim fica fácil entender que a ação (ou omissão) humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração deste instituto jurídico. O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da escolha do agente, com o discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz. A depender da forma pela qual a ação humana voluntária se manifesta, pode-se classificá-la em positiva e negativa. A positiva é a prática de um comportamento ativo e a negativa trata-se de atuação omissiva.
Há quem entenda que a culpa não é elemento geral da responsabilidade civil e, sim, um elemento acidental. Para tratar deste tema faz-se necessário estabelecer uma classificação sistemática, que divide-se em responsabilidade civil subjetiva e objetiva. A responsabilidade civil subjetiva é a decorrente do dano causado em função de ato doloso ou culposo e é também conhecida como Responsabilidade Aquiliana. Os fatos humanos são considerados atos jurídicos, sendo conceituados como comportamentos aptos a gerar efeitos jurídicos. Dentre eles há o ato jurídico lícito e o ato jurídico ilícito, ou simplesmente, atos ilícitos, os atos lícitos geradores de obrigações, como o contrato e as declarações unilaterais de vontade. O ato ilícito pressupõe culpa, em ‘lato sensu’ do agente, havendo a intenção de prejudicar, violando direito de outrem, causando assim prejuízo. O Código Civil trata dos atos ilícitos nos arts 186 e 187, culminando em responsabilidade civil conforme o art. 927 e aí se tem a responsabilidade civil subjetiva. Segundo Pablo Stolze Gagliano, em regra geral a responsabilidade é subjetiva, devendo assim estar presente os quatro elementos citados.
Porém, o art. 927, parágrafo único do Código Civil, com caráter protecionista, criou exceções, aplicando assim a Responsabilidade Civil Objetiva, que exclui o elemento culpa, sendo assim, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando houver a presença da conduta, nexo de causalidade e dano. Tal teoria deu-se pelo fato da facilitação da ação da vítima em concreto na reparação do dano, sendo obrigado aos infratores indenizar por acidentes provenientes de suas atividades, em detrimento da teoria subjetiva para a qual o agente precisa salientar a culpa dentro da ideia de desvio de conduta. A comprovação da culpa, torna-se de algo de difícil constatação, gerando assim grandes obstáculos a vítima, que por muitas vezes desistia da ação e arcava com o ônus. Com a teoria da presunção da culpa, impõe-se a inversão do ônus da prova, tendo como cerne a condição menos favorável da vítima.
O nexo de causalidade é o vínculo fático que liga o efeito à causa, ou seja, é a comprovação de que houve dano efetivo, motivado por ação voluntária, negligência ou imprudência daquele que causou o dano. O nexo causal é a ligação entre a conduta do agente e o resultado danoso. Ou seja, é preciso que o ato ensejador da responsabilidade seja a causa do dano e que o prejuízo sofrido pela vítima seja decorrência desse ato. Impõe-se que se prove a ligação causal entre a conduta do agente e o resultado danoso. O nexo causal cumpre uma dupla função: determinar o autor do dano, e verificar a extensão da sua extensão, pois serve como medida de indenização. Importante salientar que o nexo causal deve ser provado tanto nos casos de responsabilidade objetiva, como nos de natureza subjetiva. Em ambos os casos só haverá responsabilização quando devidamente comprovado o nexo de causalidade. A diferença entre ela encontra-se na segunda hipótese, sobre a qual exigir-se-á também a demonstração do elemento subjetivo – a culpa – ao passo que na primeira basta a presença da conduta, do dano e do nexo causal entre uma e outra, conforme Maria Helena Diniz.
Sendo a reparação do dano, como produto da teoria da responsabilidade civil, uma sanção imposta ao responsável pelo prejuízo em favor do lesado, tem-se que todos os danos devem ser ressarcíveis, eis que, mesmo que impossibilitada a determinação judicial de retorno ao ‘status quo ante’, sempre se poderá fixar uma importância em dinheiro, a título de compensação. Conforme Pablo Stolze Gagliano para que o dano seja efetivamente reparável é necessária a conjugação de alguns requisitos, quais sejam: a violação de um interesse jurídico patrimonial e extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica; certeza do dano; subsistência do dano, quer dizer, se o dano já foi reparado, perde-se o interesse da responsabilidade civil.
Dentre as várias espécies de danos tratados pela doutrina e pela jurisprudência, citamos aqui o dano material, moral, estético, temporal, social, existencial e perda de uma chance.
O Dano Material trata do prejuízo patrimonial causado à parte lesada pelo ato. Dividem-se em danos emergentes e lucros cessantes. Danos Emergentes são aqueles referente ao que o indivíduo perdeu em virtude da conduta e já os Lucros Cessantes envolvem tudo aquilo que se deixou de lucrar, ou seja, à época do dano a pessoa obtinha resultados lucrativos com determinada situação e por causa do dano deixou de usufruí-los. O dano material está previsto nos termos do art 402 do Código Civil e deverá ser indenizado levando em consideração a perda matemática do lesado.
O Dano Moral, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves, consiste numa lesão a interesse não patrimonial, uma violação a um estado psíquico do indivíduo. Embora seja normalmente vinculado à dor, ao sofrimento, à tristeza, o dano moral não está restrito a estes elementos, se estendendo a todos os bens personalíssimos. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade como a honra, a dignidade, a imagem, o nome entre outros e que acarreta ao lesado dor, tristeza, vexame e humilhação. Segundo entendimento do STJ, a indenização por dano moral deve ser fixada pelo juiz em observância às suas duas funções: a de ressarcimento, que visa a recompensar o lesado pelo dano sofrido e a educativa, como medida pedagógica para que o ofensor não repita seu comportamento. O dano moral está previsto constitucionalmente no art. 5º, V e X e também em outras legislações, como é o caso do art. 12 do Código Civil.
O Dano Estético é um dano extrapatrimonial, no âmbito da responsabilidade civil e nasceu após os danos materiais e morais. O dano estético, conforme Pablo Stolze Gagliano, se caracteriza pela alteração da forma de origem da vítima, o ‘enfeiamento’ do corpo, a diferença entre o seu estado normal para um estado de inferiorização, o qual, como dano moral, também causa embaraço, porém de forma visual, estética. Para que o dano estético seja comprovado é necessário que haja as seguintes características: existência do dano à integridade física da pessoa; a lesão promovida deve ter um resultado duradouro ou permanente; não há necessidade de a lesão ser aparente; e que o dano estético necessariamente enseja dano moral. A indenização por dano estético será concedida caso tornar-se irreversível a deformidade. Vale lembrar que é possível a cumulação do dano moral e do dano estético, quando possuem ambos fundamentos distintos, ainda que originados do mesmo fato. É o que trata a Súmula 387 do STJ: “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.
Quanto ao Dano Temporal, faz-se necessário refletir sobre o modelo de vida contemporâneo. Conforme Cláudia Lima Marques, a vida cada vez mais caminha no sentido de não se admitir que o tempo do homem seja injustificadamente subtraído para a solução das demandas de consumo. O tempo deve ser entendido como um bem passível de proteção jurídica, notadamente quando os próprios fornecedores, a todo momento, despejam no mercado de produtos e serviços que prometem, dentre tantas funcionalidades, exatamente fazer com que o consumidor poupe tempo para se dedicar mais à família, aos amigos, ao lazer, enfim, empregar o próprio tempo nas atividades que preferir. A necessidade de se reparar o prejuízo provocado pela perda do tempo foi percebida pelos tribunais brasileiros, notadamente através da construção jurisprudencial do TJRJ ao longo da primeira década dos anos 2000, ainda que somente para, no bojo de seus julgados, “declarar” tal direito em favor do consumidor prejudicado pelas condutas lesivas do fornecedor, já que, até bem pouco tempo não havia estudos doutrinários específicos e aprofundados sobre a matéria. Suprindo a lacuna doutrinária do dano temporal, Marcos Dessaune trouxe à lume a tese do ‘Desvio Produtivo do Consumidor’, ofertando à comunidade jurídica pioneira obra que passa a servir de norte aos estudiosos do direito do consumidor, e que já fundamentou recentes decisões exaradas por alguns tribunais, muito embora os referidos acórdãos não tenham reconhecido o desvio produtivo do consumidor como um dano autônomo, mas sim como causa de dano moral.
Percebe-se que o desperdício de tempo provocado pelo fornecedor enquadra-se no conceito de dano ‘extra rem’, por caracterizar-se como um reflexo provocado pelo fato ou vício do produto ou do serviço, gerando, portanto, a insatisfação do consumidor, o que o leva a reclamar junto ao fornecedor, que não soluciona o problema a tempo e modo, e com seu descaso provoca no consumidor extrema irritação, frustração, angústia, raiva entre outros. E ainda, conforme o tipo de relação havida entre o ofensor e o ofendido, a perda involuntária do tempo poderá ter origem contratual ou extracontratual. No que toca à natureza do dano provocado pela perda do tempo útil ou livre, os julgados até o momento o têm considerado como causa de dano moral. Quanto ao prazo para exercer a pretensão reparatória em juízo, deve ser observado aquele previsto no art. 206, §3º, V, do Código Civil, ou seja, o de 3 anos, pois o prejuízo temporal, embora decorra de uma relação entre consumidor e fornecedor, não pode ser considerado acidente de consumo. Se fosse acidente de consumo o prazo prescricional seria de 5 anos, conforme o art. 27 do CDC.
O Dano Existencial, desenvolvido nos países europeus, como Itália e Alemanha, visa à proteção da existência humana e do projeto de vida, reconhecendo como dano indenizável a lesão que atinja a as perspectivas pessoais de vida da pessoa humana, de forma a vulnerar o seu ‘modus vivendi’, frustrando as expectativas e os objetivos de vida perseguidos pelo indivíduo. Sebastião de Assis Neto ilustra o tema com um exemplo de um caso hipotético: que um incapaz (menor de idade) seja estuprada e que desse estupro resulte gravidez. Seu projeto de vida era o de se tornar missionária de uma determinada religião, com imposição de castidade e inexistência de prole.
Em caso de incapaz, o inciso II do art. 128 do Código Penal exige que o aborto seja precedido de consentimento de seu representante legal. Esse representante, no entanto, não dá seu consentimento e, ainda, impede que a filha procure meios judiciais para supri-lo. Causou-lhe, portanto, claramente, dano ao projeto de vida, que se enquadra como dano existencial. Apesar de conceitos bem próximos, é possível diferenciar o dano existencial do dano moral, eis que este se vincula ao aspecto subjetivo, ao sofrimento psicológico causado pelo ato danoso, enquanto que aquele configura como objetivo, porque decorrente de modificação de aspectos exteriores, do comportamento do indivíduo, que se vê obrigado a conviver com uma perspectiva não desejada, e às vezes até insuportável. No ordenamento jurídico brasileiro, a indenização por dano existencial vem sendo aplicado pelos tribunais trabalhistas nos casos de jornada laborais excessivas, por privar o trabalhador do convívio social com amigos e familiares, da realização de atividades recreativas ou mesmo de atividade de qualificação profissional.
O Dano Social é uma nova modalidade de dano reparável, distinta do dano material, moral, estético e existencial, que decorre de comportamentos reiterados que causam mal-estar social, causando um rebaixamento no nível de vida da coletividade. O tema já foi, inclusive, tema na Jornada de Direito Civil, quando foi aprovado o Enunciado 455, reconhecendo a existência do denominado dano social. A expressão dano no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas. Antônio Junqueira de Azevedo conceitua dano social como lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Segundo Maria Helena Diniz, os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população. Diferem-se dos danos morais coletivos porque estes atingem direitos de personalidade de pessoas determinadas ou determináveis, enquanto que o dano social viola a sociedade como um todo.
A Perda de Uma Chance nasce da teoria da responsabilidade extracontratual que impõe, para que reste configurado o dever de indenizar, a presença de alguns pressupostos, como já foi tratado neste estudo inicialmente. Com relação ao dano, para sua caracterização, é necessário que ele seja pessoal, certo. Contudo, a doutrina e os tribunais brasileiros vêm reconhecendo como indenizável um dano que, apesar de não ser certo, merece a proteção estatal: aqui se encaixa a teoria da perda de uma chance. Trata-se da frustração de uma oportunidade de ganho patrimonial, ou da redução de uma vantagem, por ato ilícito de um terceiro. Segundo jurisprudência do STJ, o dano deve ser considerado dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, pelo que a chance perdida deve ser real e séria, de forma que possibilite a noção de que a situação vantajosa muito provavelmente se alcançaria, se não fosse o ato ilícito provocado.
Há certa discussão a respeito da natureza jurídica da perda de uma chance, se considerado dano emergente ou lucro cessante. Prevalece que seria uma terceira categoria, algo intermediário entre as espécies de dano material. Inclusive, com base nesse entendimento, o STJ entende que o valor da indenização no caso de perda de uma chance, não deve corresponder ao valor daquilo que não foi alcançado, mas sim uma quantia arbitrada pelo juiz para indenizar a perda da oportunidade.
Quanto aos Danos Difusos e Coletivos, segundo Pablo Stolze Gagliano, didae acordo com a natureza dos interesses ou direitos violados, três espécies de danos coletivos podem ser suscitadas, a saber, difusos, coletivos propriamente ditos e individuais homogêneos. A definição legal de tais interesses se encontra no Código de Defesa do Consumidor, que traz norma, nesse sentido, de natureza geral, não se limitando às relações de consumo. Assim preceitua o art 81 do CDC: “a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou quem a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”;
São muitas as possibilidades de se aplicar a responsabilidade civil nas diversas áreas do Direito. Entre outras tantas, citamos aqui: responsabilidade civil por ato de terceiros; nas relações de consumo; nas relações de trabalho; nas violações de direitos da personalidade (nome negativado indevidamente); do não cumprimento das normas da Lei Geral de Proteção de Dados (dados sensíveis sem consentimento serem vendidos);no âmbito da família; nas questões ambientais; e, responsabilidade civil do Estado.
Espera-se que as pessoas ao praticarem atos o façam de forma que não se tornem ilicitudes, pois, por mais que o dano seja reconhecido na legislação brasileira e passível de indenização, o respeito à dignidade da pessoa humana deve vir sempre em primeiro lugar.
Por: Cláudia Feres