Comentários ao ARE 1038507/STF.
O caso concreto, de forma adaptada, ocorreu da forma a seguir exposta.
“A” e “B”, casados, têm uma propriedade rural em que praticam agricultura. Tendo como escopo ampliar a produção dos insumos agrícolas, eles adquiriram uma máquina rural, por meio de financiamento. Foi dado como garantia hipotecária o imóvel rural que possuem.
Ocorre que, diante das dificuldades financeiras do casal, não foram pagas as prestações referentes ao débito contraído.
“C”, ingressou com execução de título executivo extrajudicial cobrando a dívida e requerendo desde logo a penhora do imóvel rural dado como garantia.
Os executados se defenderam argumentando que o bem a ser penhorado é na verdade impenhorável, uma vez que se trata de pequena propriedade rural, trabalhada pela família.
Importante destacar os dispositivos, constitucional (art. 5º, XXVI, da CF) e infraconstitucional (art. 833, do CPC), que fundamentam tal argumento, respectivamente:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;
Art. 833. São impenhoráveis:
[…]
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
Em seguida, o exequente argumentou que a propriedade rural não é o único imóvel da família, uma vez que o imóvel rural é composto por dois terrenos contíguos, de modo que não há que se falar em impenhorabilidade do bem. Ademais, o exequente argumentou que o executado renunciou à garantia de impenhorabilidade, pois deu o imóvel em garantia hipotecária.
E agora, quem tem razão? Como o Supremo analisou o caso?
Diante da ausência de norma expressa definidora do conceito de pequena propriedade rural, para os limites específicos da impenhorabilidade assegurada na CF, aplica-se o conceito do art. 4º, II, a, da Lei 8.629/1993, que dispõe:
Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:
I- Imóvel Rural – o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;
II – Pequena Propriedade – o imóvel rural:
a) de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento; (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
Assim, a pequena propriedade rural é aquela com área igual ou inferior a quatro módulos fiscais.
A pequena propriedade rural consubstancia-se no imóvel com área de até 4 módulos fiscais, ainda que constituída por mais de um imóvel, desde que contínuos, e não pode ser objeto de penhora. A garantia da impenhorabilidade é indisponível, assegurada como direito fundamental, e não cede ante gravação do bem com hipoteca. Logo, não há que se falar em renúncia à garantia da impenhorabilidade.
O disposto no art. 5º, XXVI, da CF, volta-se à proteção da família e de seu mínimo existencial. Portanto, quando se tratar de dívida contraída pela família, em prol da atividade produtiva desenvolvida na pequena propriedade rural, deve ser observada a regra da impenhorabilidade, que não pode ser distorcida pelo legislador ordinário, e muito menos pelo intérprete, por regras não enunciadas pelo constituinte.
Assim, a conclusão adotada pelo Pretório Excelso foi a seguinte: “É impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização”. STF. Plenário. ARE 1038507, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 961) (Info 1003).
Por: Marco Antônio Ávila Filho.
Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.