Comentários ao julgamento da ADI 6019/SP (info. 1012 STF).
O princípio da autotutela significa que a Administração Pública possui o poder-dever de rever seus atos, seja para anulá-los por vício de legalidade, seja para revogá-los por questões de conveniência e de oportunidade. Inclusive, tal entendimento encontra previsão jurisprudencial:
Súmula 346/STF: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473/STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Ademais, a própria legislação traz a prerrogativa/dever da administração em anular ou revogar seus atos, conforme os artigos 53/54 da Lei 9.784/99, in verbis:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Veja que o art. 54 prevê que o prazo decadencial para que a administração pratique a autotutela é de 05 (cinco) anos.
Há somente duas exceções em que poderá ser ultrapassado o prazo de 5 (cinco) anos, quais sejam:
- Em caso de má-fé, a administração pública poderá anular o ato, independentemente de quando tenha ocorrido;
- Caso de afronta direta à CF/88. Esta exceção é oriunda da jurisprudência do Pretório Excelso.
No caso concreto, a associação brasileira de concessionárias de rodovias – ABCR propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6019), em face de dispositivo previsto na Lei 10.177/98, do Estado de São Paulo, uma vez que esta previa o prazo decadencial de 10 (dez) anos para que a administração do Estado pudesse anular os atos considerados como inválidos. A ABCR ventilou tese no sentido de que o dispositivo supracitado invade a competência legislativa privativa da União, uma vez que disciplina tema de Direito Civil, no caso a decadência.
Vejamos o teor do dispositivo:
Artigo 10 – A Administração anulará seus atos inválidos, de ofício ou por provocação de pessoa interessada, salvo quando:
I – ultrapassado o prazo de 10 (dez) anos contado de sua produção;
II – da irregularidade não resultar qualquer prejuízo;
III – forem passíveis de convalidação.
A ABCR expôs que o prazo de 10 (dez) anos é irrazoável e vai de encontro com os princípios da isonomia, proporcionalidade e da segurança jurídica.
A lei do Estado de São Paulo usurpuou competência privativa da União? O STF entendeu que não, pois, em verdade, a lei trata sobre direito administrativo, matéria inserida na competência constitucional dos Estados-membros.
A lei violou o princípio da segurança jurídica? Também não, pois o prazo de 10 anos decadencial não tem o poder, por si só, de causar insegurança jurídica apta a invalidar a norma combatida em controle de constitucionalidade.
E quanto aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, houve violação? A resposta é não.
Em que pese as ideias acima, o STF entendeu que o dispositivo é inconstitucional, com fundamento na violação ao princípio da igualdade, apesar de este argumento não ter sido invocado pela ABCR.
O prazo quinquenal firmou-se como marco temporal geral nas relações entre o Poder Público e particulares, e o STF somente admite exceções ao princípio da isonomia quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio específico entre as partes.
Os demais entes da federação aplicam o prazo decadencial de 5 anos para anulação de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados, de modo que não há fundamento constitucional que venha a justificar a aplicação de prazo distinto por um determinado estado-membro. Assim, faz-se necessário tratamento igual nas relações entre Estado-cidadão.
E foi nesse sentido que o Plenário do STF julgou PROCEDENTE a ADI para declarar inconstitucional o art. 10, I, da Lei 10.177/98, do Estado de São Paulo.
Por: Marco Antônio Ávila Filho.
Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.