Comentários ao RMS63.202-MG/STJ.
“A” propôs ação de rescisão contratual em face de “B”, tendo requerido expressamente na petição inicial, além dos demais pedidos, a realização da audiência de conciliação (art. 319, VII, do CPC).
O juiz, ao receber a petição inicial, prevendo a impossibilidade de reunir o feito com outro a ele conexo, já sentenciado, adiou a análise acerca da conveniência da designação da audiência de conciliação para momento mais oportuno, “a fim de adequar o rito processual às necessidades do conflito”, com fulcro no art. 139, VI, do CPC/2015. Vejamos o excerto do dispositivo, in verbis:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
[…]
VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;
Com fundamento nesse dispositivo, o juiz, então, postergando a realização da audiência de conciliação, determinou a citação do réu para apresentar contestação.
O réu, no mesmo sentido do autor, requereu expressamente que fosse realizada a audiência de conciliação, em caráter de urgência. Ocorre que o juiz de primeiro grau indeferiu o pedido em razão da dificuldade de pauta e da própria matéria discutida nos autos.
Tomando conhecimento da decisão denegatória, o réu impetrou Mandado de Segurança alegando que seu direito líquido e certo ao devido processo legal havia sido violado.
O Tribunal de Justiça local não conheceu do MS sob o fundamento de que a decisão interlocutória que indeferiu o pedido de realização da audiência de conciliação seria impugnável por meio de apelação. Em face dessa decisão, foi interposto recurso ordinário constitucional para o STJ.
O entendimento do TJ foi acertado, no sentido de que a decisão somente seria impugnável mediante apelação? Não. Veja que as partes tinham a intenção de realizar a conciliação desde o início do processo, ou seja, se tal matéria fosse discutida somente em sede de apelação, provavelmente as partes sequer teriam interesse, em momento posterior, em realizar ajuste. Com a realização da audiência de conciliação no início do processo, talvez ali se encerraria a disputa judicial.
Isso quer dizer que a parte agiu corretamente em impetrar o MS? Não. Não se pode impetrar o writ quando a decisão proferida é passível de ser impugnada por meio de agravo de instrumento.
O agravo de instrumento encontra previsão no art. 1.015, do CPC. Vejamos:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XII – (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
No rol do artigo supracitado não existe nenhum inciso que se enquadra à situação ocorrida no caso concreto. Isso é fator impeditivo para a interposição do agravo de instrumento? Não. O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que o rol do art. 1.015 é de “taxatividade mitigada”.
Via de regra, o agravo de instrumento somente é cabível nas hipóteses previstas no rol do art. 1.015. Excepcionalmente, caberá o agravo em hipóteses não previstas no artigo supracitado, mas será necessário que haja um requisito: a urgência.
“O rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”, concluiu Nancy Andrighi ao definir a tese adotada no Tema 988 dos recursos repetitivos.
Destarte, no caso concreto a parte que impetrou o mandado de segurança já deveria saber que o STJ admitiria agravo de instrumento.
Vale ressaltar, ainda, que ao tratar sobre o Tema 998, o STJ afirmou que não caberia mandado de segurança contra as decisões interlocutórias porque há recurso apropriado (agravo de instrumento).
Assim, a tese definida pelo STJ foi a seguinte:
Não é admissível, nem excepcionalmente, a impetração de mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias após a publicação do acórdão em que se fixou a tese referente ao tema repetitivo 988, segundo a qual “o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.
Caso concreto: juiz indeferiu pedido de designação da audiência de conciliação prevista no art. 334 do CPC, ao fundamento de “dificuldade de pauta”. Essa decisão foi proferida em 07/02/2019, ou seja, após a publicação do acórdão do STJ que definiu a tese da taxatividade mitigada (Tema 998 – REsp 1.704.520-MT – DJe 19/12/2018). Logo, neste caso, essa decisão interlocutória somente seria impugnável por agravo de instrumento, não cabendo, portanto, mandado de segurança.
STJ. 3ª Turma. RMS 63.202-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/12/2020 (Info 684).
Logo, não é cabível, nem excepcionalmente, a impetração de mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias após a publicação do acórdão em que se fixou a tese acerca da taxatividade mitigada do agravo de instrumento.
Por: Marco Antônio Ávila Filho.
Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.