Comentários à ADPF 219/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 20/5/2021 (Info 1018).
Primeiramente, importante lembrar que a execução poderá ser fundada em título executivo judicial ou extrajudicial. Se fundada em título executivo judicial, a parte utilizará do cumprimento de sentença. Caso o título executivo seja extrajudicial, será utilizada a execução comum.
O art. 513, § 1º, do CPC/15, que trata acerca das disposições gerais do cumprimento de sentença, prevê que este far-se-á a requerimento do exequente. Logo, depende de iniciativa do credor para que seja iniciada a fase executória.
O art. 534 do CPC, que está inserido no capítulo referente ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda pública, prevê que a execução depende da apresentação pelo autor do demonstrativo discriminado e atualizado do crédito. O dispositivo em questão ainda estabelece os demais requisitos necessários que devem integrar o demonstrativo. Vejamos:
Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo:
I – o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;
II – o índice de correção monetária adotado;
III – os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI – a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.
Nota-se, então, que cabe ao autor elaborar os cálculos que irão instruir a execução, nos moldes do art. 534.
Em que pese a regra de que a execução é de iniciativa do exequente, poderá ocorrer o cumprimento espontâneo da obrigação de pequeno valor pela Fazenda Pública. Trata-se da denominada execução invertida, na qual o Ente Público, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, apresenta os cálculos devidos e postula a expedição da Requisição de Pequeno Valor.
A apresentação dos cálculos pela Fazenda Pública mostra-se mais acertada, uma vez que o ente público tem maior facilidade para tanto, uma vez que naturalmente possui toda a documentação que servirá para instruir o cálculo, ao passo que para o particular tal tarefa é complexa.
Frise-se que a adoção da “execução invertida” termina por possibilitar a expedição mais célere do RPV, efetivando o princípio da celeridade e razoável duração do processo, sem necessidade de aguardar a citação da Fazenda Pública, para uma possível oposição dos embargos à execução (REsp 1524662, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, de 30/06/2015).
No âmbito dos juizados especiais federais, a “execução invertida” é amplamente utilizada.
Feitas tais considerações acerca do instituto ora debatido, vejamos o que ocorreu no caso concreto.
Foi ajuizada Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF/219 pela União, tendo como objeto questionar as decisões dos Juizados Especiais Federais que determinaram a ela o dever de apresentar os cálculos devidos “voluntariamente”. A União argumentou que o instituto da execução invertida seria inconstitucional.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a execução invertida não é inconstitucional.
Na decisão do plenário, destacou-se os princípios que regem o sistema dos juizados especiais, tais como o da celeridade, simplicidade e da economia processual. A legislação potencializa o acesso à justiça, de modo que é plenamente possível a exigência da colaboração do executado para a apresentação dos cálculos devidos, precipuamente quando o devedor for a Administração Pública Federal, apesar da regra de que a execução deva se iniciar por iniciativa do exequente.
O papel da Administração Pública na busca pela efetivação da primazia do interesse público primário legitima a utilização do instituto da execução invertida. A legislação dos juizados pressupõe que a Administração agirá no intuito de buscar a efetividade dos direitos dos administrados.
O Ministro Luís Fux, no seu voto durante o julgamento, ainda ventilou que no âmbito dos juizados existem aquelas partes hipossuficientes, pessoas que às vezes sequer têm condições de contratar um advogado, que não sabem discriminar o principal, juros, correção monetária, etc., de modo que não há descumprimento de preceito fundamental em virtude de a União cumprir a tarefa determinada.
Exigir sempre que exista a intervenção de perito designado pelo juízo revela incompatibilidade com os princípios norteadores dos juizados especiais. A nomeação de perito representa custo ao erário com os honorários correspondentes.
Outrossim, a própria administração pública deverá rever os cálculos apresentados a fim de se verificar se o valor está correto.
Tendo em vista que a Fazenda Pública terá sempre que analisar o valor, melhor que faça isso de início, facilitando todo o processo.
Em última análise, o dever de colaboração imputável ao Estado decorre dos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, e do subprincípio da economicidade.
O Pretório Excelso ainda frisou a possibilidade de o exequente requerer que os cálculos sejam realizados por terceiro imparcial (perito do juízo). Nesses casos, o exequente deverá formular pedido expresso, incumbindo ao Estado viabilizar a atuação do perito.
O plenário do STF julgou improcedente o pedido formulado na ação.
A tese definida pelo STF foi a seguinte: “Não ofende da ordem constitucional determinação judicial de que a União proceda aos cálculos e apresente os documentos relativos à execução nos processos em tramitação nos juizados especiais cíveis federais, ressalvada a possibilidade de o exequente postular a nomeação de perito”.
Por: Marco Antônio Ávila Filho.
Advogado e pós-graduado em Direito Processual pela PUC/MG.